O jornalista André Esteves é apaixonado por um bom livro e, em 2022, criou um perfil literário no Instagram, o Memorial de um leitor, onde publica sugestões de leitura de suas obras favoritas. Parceiro da Global Editora neste ano de 2024, no início deste mês de abril, André resenhou o livro Menino de engenho, de José Lins do Rego.
Créditos: Arquivo pessoal - André Esteves
O olhar do rapaz foi tão criterioso sobre a obra que abre o Ciclo da Cana-de-açúcar, que decidimos compartilhar aqui no blog a opinião publicada originalmente em sua página no Instagram:
Em “Menino de engenho”, romance de estreia de José Lins do Rego que inaugura a série “Ciclo da Cana-de-açúcar”, toda a história é ambientada em um engenho de açúcar para onde o menino Carlinhos é levado após ficar órfão de mãe e ter o pai internado em um sanatório. A princípio, a premissa pode soar bastante despretensiosa, uma vez que a narrativa acompanha as primeiras descobertas e sensações que convertem um menino em homem.
No entanto, como na literatura brasileira nada é gratuito, o romance deixa implícitas nas aventuras do garoto significativas críticas ao modo como a sociedade brasileira se estruturava na época e se estrutura ainda hoje, considerando que as relações de mando e servidão estão enraizadas em nossa cultura.
Embora o relato de Carlinhos não dê indícios de que o menino se atente ao cenário em que está inserido, a escolha de palavras de Lins do Rego evidencia as disparidades nos padrões de vida das duas organizações que coexistem na fazenda: a casa-grande, chefiada pelo senhor de engenho, e as moradias onde vivem os escravos alforriados ou os trabalhadores braçais.
Carlinhos tem contato direto com essas pessoas e interage diariamente com elas. Ainda assim, há uma linha invisível que os separa como indivíduos. Basta notar que Carlinhos é tratado a todo momento como “menino”, enquanto os garotos pobres são referidos como “moleques”.
O engenho de açúcar nada mais é do que um microcosmo do Brasil, com todas as suas injustiças e desigualdades sociais: há os que enriquecem e ampliam seus domínios em detrimento daqueles que trabalham em troca de muito pouco ou quase nada.
Apesar de Lins do Rego já abordar nesse romance a futura derrocada e dissolução dos engenhos de açúcar, é interessante como o autor sugere que, mesmo com o enfraquecimento desse modelo de negócio, a estrutura que o mantém em funcionamento extrapola o campo: está em todo lugar.
“Menino de engenho” é um feito muito competente de um autor que entretém o seu leitor com as reminiscências de uma infância comum, ao mesmo tempo que se vale dessa trama supostamente ingênua para pintar um retrato autêntico do seu país.